Pesca INN e Preocupações com os Direitos Humanos: Revelar o Impacto de Bandeiras de Conveniência nas Pescas, no âmbito do Projeto Fish4Me

Rafaela Paulo Teixeira

A questão das bandeiras de conveniência (em inglês: flags of convenience – FoC)no sector das pescas tem merecido uma atenção significativa por parte de organizações importantes como a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) devido ao seu impacto negativo nas práticas de pesca sustentáveis e nos direitos humanos (FAO, 2016). 

As bandeiras de conveniência referem-se à prática de os proprietários de navios registarem os seus navios sob a bandeira de um país que não o seu, escolhendo frequentemente uma nação com regulamentos e execução pouco rigorosos. Embora esta prática não seja inerentemente ilegal, cria uma lacuna que facilita as atividades de pesca ilegal, não reportada e não regulamentada (INN), bem como põe em risco os direitos humanos dos trabalhadores a bordo (FAO, 2012).

Um dos principais problemas das bandeiras de conveniência é a falta de transparência e de responsabilidade no sector das pescas. Quando as embarcações mudam de bandeira, basicamente reiniciam o seu historial jurídico e operacional, o que dificulta o rastreio das suas atividades e o cumprimento dos regulamentos de pesca. Esta falta de continuidade no processo de registo do navio permite que operadores sem escrúpulos escapem ao escrutínio, à aplicação da lei e à responsabilidade pelas suas ações. Como resultado, a pesca INN, que inclui atividades como a sobrepesca, a pesca furtiva e métodos de pesca destrutivos, não é controlada, contribuindo para o esgotamento dos recursos marinhos e perturbando os ecossistemas.

Além disso, a utilização de bandeiras de conveniência conduz frequentemente à exploração e ao perigo dos trabalhadores a bordo dos navios de pesca. Ao registarem-se sob uma bandeira de conveniência, os proprietários dos navios podem contornar as leis e os regulamentos laborais do seu próprio país, bem como as normas laborais internacionais. Isto cria um ambiente em que os direitos dos trabalhadores são rotineiramente violados e estes são submetidos a condições de trabalho perigosas, longas horas de trabalho, salários baixos e até mesmo trabalho forçado. A falta de supervisão e responsabilização nestes casos permitem que as violações dos direitos humanos persistam sem controlo. Daí a alcunha de “caixões flutuantes” (em inglês: floating coffins) para as FoC (EJF, 2009).

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), uma agência especializada da ONU, destacou a exploração e o ato de colocar em perigo dos trabalhadores a bordo de navios registados sob bandeiras de conveniência (OIT, 2018). Estes trabalhadores são frequentemente sujeitos a condições de trabalho perigosas, trabalho forçado, longas horas de trabalho e salários inadequados. A OIT apelou ao reforço da regulamentação e da aplicação da lei para proteger os direitos dos trabalhadores do sector das pescas e eliminar as violações dos direitos humanos (OIT, 2018).

A OMS sublinhou a importância da pesca sustentável para garantir a segurança alimentar e melhorar a nutrição, especialmente para as comunidades vulneráveis (OMS, 2018). A UNESCO reconheceu o papel crítico dos oceanos no apoio à vida na Terra e sublinhou a necessidade de uma gestão e conservação sustentáveis dos recursos marinhos (UNESCO, 2022).

A resolução do problema das bandeiras de conveniência no sector das pescas exige uma abordagem multifacetada. Implica o reforço da cooperação internacional, a melhoria da partilha de informações entre países e a aplicação de regulamentos e medidas de execução mais rigorosos. Um aspeto fundamental para combater este problema é o desenvolvimento de um sistema abrangente de localização de navios que mantenha dados históricos sobre a propriedade, as operações e os registos de conformidade dos navios. Este sistema permitiria às autoridades identificar e penalizar os navios envolvidos na pesca INN e nas violações dos direitos humanos, independentemente da bandeira que arvoram.

Além disso, é fundamental promover uma maior transparência e responsabilidade no sector das pescas. Isto inclui encorajar os proprietários de embarcações a assumirem a responsabilidade pelas suas ações, responsabilizando-os pela conduta das suas embarcações e promovendo práticas de pesca sustentáveis que protejam os ecossistemas marinhos e assegurem o bem-estar dos trabalhadores. Os acordos e parcerias internacionais podem desempenhar um papel vital na definição de normas e no estabelecimento de mecanismos de controlo e aplicação. A ONU, a OIT e a OMS salientaram a necessidade de cooperação internacional, de sistemas de monitorização reforçados e de proteção dos direitos dos trabalhadores no sector das pescas (Assembleia Geral da ONU, 2017; OIT, 2016; OMS, 2018).

Ao abordar a questão das bandeiras de conveniência nas pescas, podemos dar passos significativos no sentido de salvaguardar os oceanos do mundo, preservar os recursos marinhos e proteger os direitos daqueles que dependem dos mares para a sua subsistência. É necessário um esforço coletivo dos governos, das partes interessadas da indústria e da sociedade civil para estabelecer um sector das pescas transparente e responsável que defenda a sustentabilidade ambiental e os direitos humanos.

Referências:

  • Environmental Justice Foundation (EJF). (2009). Lowering the Flag – Ending the use of Flags of Convenience by Pirate Fishing Vessels.
    London. Retrieved from https://ejfoundation.org/resources/downloads/Lowering-the-flag.pdf
  • Food and Agriculture Organization (FAO). (2012). Addressing the issue of flags of convenience in the context of illegal, unreported and unregulated (IUU) fishing. Retrieved from http://www.fao.org/3/a-aq256e.pdf
  • Food and Agriculture Organization (FAO). (2016). The state of world fisheries and aquaculture 2016. Contributing to food security and nutrition for all. Retrieved from http://www.fao.org/3/a-i5555e.pdf
  • International Labour Organization (ILO). (2016). C188 – Work in Fishing Convention, 2007 (No. 188). Retrieved from https://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C188
  • International Labour Organization (ILO) , International Labour Standards Department. (2018). Third meeting of the Special Tripartite Committee of the Maritime Labour Convention, 2006, as amended (MLC, 2006) (Geneva, 23–27 April 2018). Retrieved from https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—ed_dialogue/—sector/documents/meetingdocument/wcms_619090.pdf
  • United Nations (UN) General Assembly. (2017). Resolution adopted by the General Assembly on 6 December 2017: Sustainable fisheries, including through the 1995 Agreement for the Implementation of the Provisions of the United Nations Convention on the Law of the Sea of 10 December 1982 relating to the Conservation and Management of Straddling Fish Stocks and Highly Migratory Fish Stocks, and related instruments. Retrieved from https://undocs.org/A/RES/72/73
  • United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). (2022). Sustainable Development Goal 14. Retrieved from https://en.unesco.org/sdgs/goal14
  • World Health Organization (WHO). (2018). Sustainable fisheries and aquaculture for food security and nutrition. Retrieved from https://www.who.int/elena/titles/bbc/fisheries_aquaculture/en/
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